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Heráldica:
arte dos brasões
Inicialmente pinturas em
escudos feitas para identificar os amigos dos inimigos no campo de batalha, a
heráldica se tornou marca de nobreza que ultrapassava gerações
Diferenciar
os amigos dos inimigos sempre foi fundamental em batalha, claro. Mas, se no
calor do combate muitas vezes era difícil distinguir aliados de oponentes, na
Idade Média, com o desenvolvimento de armaduras e elmos – que muitas vezes
cobriam um soldado dos pés à cabeça –, identificar um guerreiro virou uma
tarefa quase impossível. No início, os sinais eram muito simples e ficavam na
parte mais visível do combatente: seu escudo. Podia ser uma cor. Ou, então, um
símbolo geométrico simples, como um triângulo, ou uma cruz. O que importava era
ser reconhecido rapidamente.
Entre
1135 e 1155, a utilização desses símbolos por senhores feudais se espalhou pelo
continente europeu. Leões rompantes, águias e flores-de-lis começaram a povoar
os escudos. Nesses primeiros tempos, muitas das cotas de armas eram criadas
pelos próprios cavaleiros que as utilizavam – não eram concedidas por nenhuma
autoridade. Com o tempo, os desenhos foram se tornando cada vez mais complexos,
e logo os escudos começaram a apresentar subdivisões – em apenas um deles, por
causa dos casamentos, podiam ser representados os brasões de duas famílias. Por
volta do século 14, todo um sistema de codificação e organização dos emblemas,
conhecido como heráldica, havia sido desenvolvido na Europa.
O
brasão era algo hereditário, passado de pai para filho, do mesmo modo como um
cavaleiro herdava o direito de liderar ou tinha o dever de seguir seu superior
numa batalha. Os brasões deixavam de ser apenas sinais de identificação. Por um
emblema, distinguiam-se feitos heróicos ou serviços prestados ao rei, símbolos
de riqueza ou atividades dos antepassados ou, ainda, a flora e a fauna de uma
região. Segundo os historiadores Thomas Woodcock e John Martin Robinson,
autores do Oxford Guide to Heraldry (sem tradução), a descrição das armas
chegou ao ponto em que a vaidade individual era mais forte do que o uso
militar. Por volta do século 14, possuir uma cota de armas era um pré-requisito
para participar de qualquer torneio entre cavaleiros. E apresentar um brasão
era a indicação de que seu possuidor pertencia à nobreza. "Ao longo do
campo onde se realizava o torneio, ficavam as tendas dos competidores, todas
com seus brasões expostos. Quando se encaminhavam para a arena de combates,
seus arautos, carregando seus brasões em escudos, anunciavam em voz alta sua
família e seus títulos”, escreve o historiador Stephen Slater, autor de The
Complete Book of Heraldry (sem tradução).
De
lá para cá, a arte heráldica continuou a povoar o brasão das famílias nobres.
“Hoje ela pode ser vista em bandeiras de países, símbolos de universidades,
hospitais, clubes e seleções nacionais. Seu uso permanece o mesmo. Oferecer uma
identificação rápida para que os iguais se reconheçam”, afirma Michael Allen,
professor da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos.
Anatomia de um escudo
Um escudo dificilmente tinha apenas um símbolo. Com o casamento entre
famílias nobres, era normal a partição do escudo dos descendentes entre as duas
casas nobres. Veja como montavam um brasão:
Paquife
Adornando, repete as cores do brasão.
Timbre
Usado para distinguir os cavaleiros em torneios.
Virol
É uma faixa colorida com os padrões do escudo
Elmo
Possui várias significações: nobreza utilizava elmos de prata, ouro pertence
ao brasão do rei. O elmo virado de frente é exclusivo do rei.
Compartimento
O chão onde estão os suportes pode ser uma planície, um terreno rochoso ou
algo que remeta à terra natal da família
Escudo
Diversos formatos de escudo foram utilizados ao longo do tempo. Como regra
geral, os escudos de mulheres são em formato de losango.
Lema
Pessoas de qualquer patente de nobreza pode adotar um e colocá-lo no brasão
Suportes
São elementos da natureza, figuras mitológicas ou
personagens representando profissões da família.
Como se forma um escudo
As cores
Estão divididas entre metais, esmaltes e peles. A regra fundamental é nunca
misturar metal com metal, nem cor com cor, em um mesmo escudo – as peles podem
substituí-los. Os nomes das cores vêm do francês antigo. Or significa ouro,
enquanto argent designa prata. Azure (azul) deriva da palavra árabe para
lápis-lazúli, enquanto sable (preto) faz referência ao escuro pêlo da marta.
Gules (vermelho) vem da palavra francesa gueules, numa referência à garganta
dos animais. As peles fazem analogia à padronagem de animais peludos, como os
pequenos arminhos. Escudos que rompem essa regra são chamados armes fausses
(armas falsas).
As faixas
Outra maneira de incrementar e diferenciar um escudo é por meio das partições
e peças que cortam a área dele ou lhe adicionam faixas em diferentes direções.
Abaixo, seguem diversos padrões pelos quais eles podem ser divididos. De modo
geral, para que se mantenha uma descrição uniforme de um escudo, mencionam-se
seus elementos da seguinte maneira. Primeiro, a cor do campo (o fundo) e,
então, as tinturas das diferentes partes e objetos do escudo. Como regra geral,
descreve-se do alto para baixo e da direita para a esquerda – sempre em
referência a quem segura o escudo, e não a quem vê.
Os símbolos
O uso de símbolos e animais é o toque final na composição de
um escudo. Animais, por definição, sempre olham para a direita. O leão é o
predileto porque representa força, coragem, nobreza. Mas também são comuns
águias, ursos, lobos, cavalos, javalis e até coelhos. Chaves cruzadas,
simbolizando as chaves de são Pedro, estão presentes nas insígnias papais.
Outros objetos, representando dinastias (flor-de-lis, símbolo da realeza
francesa) ou guerra (peças de armaduras), eram comuns. Animais quiméricos, como
o dragão (associado a são Jorge, o padroeiro da Inglaterra), o grifo, o
centauro e o unicórnio também eram utilizados. O maior símbolo cristão, a cruz,
também esteve sempre presente.prata).
A evolução dos símbolos depois de sucessivos casamentos
Um escudo dificilmente permanecia pleno, isto é, com apenas um símbolo. Com
o casamento entre famílias nobres, ocorria a partição do escudo dos
descendentes entre as duas casas nobres. As regras de partição são
relativamente simples, como demonstra o exemplo abaixo.
Se um nobre (sir Bastin II) possui um filho homem, ele (sir Bastin III) leva
o escudo da família consigo. Já a filha desse senhor feudal (miss Bastin) não
terá direito de colocar o brasão de sua família quando se casar com alguém -
porque ela não é a herdeira da casa. Ou seja, quando sir Bastin III tiver seu
filho, esse herdará o brasão da família. Porém, quando miss Bastin tiver seus
filhos (sir Francis II e miss Francis), eles não herdarão o brasão dela, mas o
brasão do pai (sir Francis).
Repare, no entanto, que se um senhor feudal não tiver
herdeiros homens (sir Edgard), sua filha (miss Edgard) passa a ter o direito de
estampar o brasão de sua família naqueles que são seus descendentes. É por isso
que sir Bastin IV, filho de miss Edgard, possui o brasão fendido em duas
partes, cada uma representando o brasão de seus pais.
A auriflama francesa
Além do óbvio uso nos escudos, os símbolos heráldicos quase imediatamente
apareceram também nas bandeiras empunhadas pelos exércitos. Ser o
porta-bandeira era uma tarefa de alto prestígio, embora se esperasse desse
indivíduo que, caso as coisas fossem mal, morresse defendendo o estandarte. Uma
das mais tradicionais, senão a mais tradicional bandeira de guerra, era a
Auriflama Francesa, utilizada em diversas batalhas na Guerra dos Cem Anos.
Acredita-se que era uma faixa comprida de seda vermelha e adereços dourados
(veja desenho abaixo), consagrada a são Denis, o padroeiro da França. Durante o
período de paz, a bandeira era guardada na Catedral de Saint Denis, onde
estavam sepultados quase todos os reis franceses. Na guerra, era utilizada nos
momentos mais dramáticos, quando se precisava de uma vitória a qualquer preço.
A bandeira era então levada para a frente de batalha, enquanto os soldados urravam
seu grito de guerra: “Montjoie Saint Denis!”
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